sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Coffee Talk - uma bebida quentinha acompanhada de histórias

Para encerrar o ano, nada melhor do que com uma obra tranquila e relaxante.

Coffee Talk é essa obra, e, hoje, através de mim vocês descobrirão um pouco do porquê.

Introdução

Coffee Talk é uma visual novel bastante alternativa que foi criada pela Toge Productions, uma desenvolvedora de jogos independentes (indies) da Indonésia em 29 de Janeiro de 2020. Situacionada  em um Café num mundo semi-ficcional, o objetivo é servir bebidas para os clientes do estabelecimento e ouví-los desabafar.

Alguns dias antes de seu lançamento, joguei a sua demo (que cobre o primeiro 'dia' - os capítulos do jogo -) e gostei demais. Bem, infelizmente demorei quase 2 anos, mas finalmente pude jogar Coffee Talk e, mesmo com expectativas, fui surpreendido. 

Jogabilidade alternativa

Como já dito, trata-se de uma Visual Novel, assim sendo, não é um jogo per se. Para quem não está familiarizado com o termo, Visual Novels são um tipo de mídia que combinam elementos de Novels (o gênero literário conhecido como romance) com jogos eletrônicos. Geralmente, há a presença de bastante texto, porém com imagens de fundo (as famosas CGs). As VNs mais novas e/ou mais refinadas possuem trilha sonora, sprite art e, em alguns casos, dublagem. Entre alguns exemplos de VNs famosas, pode-se citar Fate/stay night e Clannad.

Bem, caso você já seja familiarizado com este tipo de mídia, saiba que Coffee Talk é completamente diferente de uma VN tradicional. E, caso não seja, tudo bem! É uma boa porta de entrada para esta mídia.

Freya, uma das personagens recorrentes na cafeteria.

Normalmente, numa Visual Novel, o leitor/jogador (como preferirem) faz escolhas de diálogo que influenciem a narrativa. Aqui o caso não é esse. Não temos controle direto do diálogo, o próprio barista (o personagem que controlamos) fala normalmente como as demais personagens. Assim sendo, o que faz com que a obra não seja uma série animada? Simples: servir bebidas. Há uma gama de diferentes ingredientes, a base (café, chá verde, chá preto, leite e chocolate) e os adicionais (leite, menta, genbibre, limão, mel e canela) que podem formar diferentes bebidas. Caso sirvamos a bebida correta, o cliente ficará satisfeito e isto gerará efeitos na progressão da história. 

O celular do barista.

Além das bebidas podemos chechar o celular do barista, com quatro opções de Apps. O primeiro é uma rede-social que mostra os perfis dos clientes recorrentes no bar. Conforme avançamos na história (e, claro, servindo as bebidas corretas), mais informações em seus perfis são visíveis, assim, mais aprendemos acerca deles. Um detalhe bacana é que entre eles, há aqueles que eventualmente trocarão de foto de perfil. Simples, porém recompensador, de certa forma. O Brewpad é como um livro de receitas, onde ficam salvos todas as bebidas já preparadas. Tem o app do jornal, onde pode-se ver histórias curtas publicadas por Freya. E, finalmente, o Suffld. Ele permite que você troque a música de fundo por outra da lista, é isso.

Uma narrativa simples, porém cativante


Coffee Talk se passa entre setembro e outubro de 2020 numa Seattle de outra realidade, onde existem várias espécies humanóides que convivem em harmonia. Bem, mais ou menos, existem conflitos e preconceito: há um casal formado por um elfo e uma succubus, cujas famílias são completamente contra a raça do outro, tem os oceânides dos mares, que sofrem com as restrições de imigração... O jogo não esconde: são metáforas para os conflitos reais do nosso mundo, tanto étnicos como entre nacionalidades diferentes. 

Baileys, o elfo e Lua, a succubus.

A narrativa é praticamente linear, podendo sofrer algumas alterações caso você sirva as bebidas corretas para cada situação, então, atenção nos pedidos! Existem casos em que o cliente ficará chateado, porém deixará passar, como existem outros em que ele ficará bravo e isso te impedirá de prosseguir nas histórias individuais do mesmo. Cada personagem possuí sua história, geralmente, entrelaçada com a de outro. Como exemplo, temos a história do Hyde - o vampiro vegano -  e Gala - o simpático lobisomem -. Amigos de longa data, desde 1960, por isso conhecem muito bem um ao outro. Não entrarei em detalhes, mas ele se encontraram por um acaso do destino em um bar que ficava no mesmo local onde hoje fica a cafeteria em que se passa o jogo. E assim é o jogo durante a sua duração de 14 diferentes dias, sendo que nos últimos - caso você engatilhe os eventos corretamente - verá o fim do 'arco' de história de cada um deles. É complicado entrar em muitos detalhes sobre cada personagem, o melhor é descobrir jogando. O que posso dizer é que são todos bem bacanas e possuem uma construção satisfatória pensando na duração média do jogo (início ao fim). Cada um é de uma raça diferente e, a partir deles, aprendemos um pouco sobre elas.

Considerações Finais

O jogo é bem polido. Possui uma sprite art bonita e animação fluída. A trilha sonora é relaxante (num estilo semelhante aqueles lo-fi hip hop, acho que se chama assim xD), garantindo uma boa imersão. E oha que eu nem curto esse estilo de música! A narrativa é satisfatória, nada pretenciosa e cumpriu minhas expectativas. É um jogo para descansar do que é intenso, não é necessário pensar tanto, apenas ler e processar o que é dito, não sendo nada complicado demais. Honestamente, só fiquei com uma dúvida quanto ao enredo, porém creio que era uma questão para ficar em aberto mesmo. 

Num geral, o jogo é completo. Honestamente, não há nada nele que eu mudaria. O jogo é "perfeito". Com isso não quero dizer que seja o melhor, mas sim que ele é excelente em tudo que oferece em seu conteúdo final, não deixando a desejar. Se fosse para apontar algo ausente no jogo...a dublagem. Não senti falta, mas existe um mod de CT com dublagem (em inglês) de boa qualidade. Infelizmente só cobre um pouco mais que a metade da história, então deixei de lado e joguei sem mesmo. 

Aliás, uma boa notícia é que a sequência do jogo - Coffee Talk Episode 2: Hibiscus & Butterfly! Data de lançamento não específica, porém já em 2022. As plataformas serão as mesmas que Coffee Talk, PC (Steam/GOG), PlayStation 4/5, Switch e Xbox One/Series. 

Pontos Positivos:

- Personagens divertidos
- Ótima narrativa
- Trilha sonora imersiva
- Experiência relaxante e bastante suave

Pontos Negativos:

- Ausência de dublagem (contornável com mods)


E é isso! Espero que tenham gostado e se interessado por Coffee Talk! Aproveitando, o jogo está em promoção na steam. Caso queira testá-lo antes de comprar, você pode baixar a versão demo em uma das plataformas disponíveis nos consoles e PCs!

Bem, desejo a todos que leram até aqui um feliz ano novo. Não me importo muito em celebrar essas datas, por isso provavelmente passarei a virada fazendo algo não muito diferente do normal haha

Logo sairá um post novo para iniciar o ano, até lá!!


quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O cativante Love Plus

Surpreendentemente, estou aqui, postando mais uma vez após poucos dias.

Decidi pegar de novo no meu 3DS para tentar explorar alguns jogos dele e do NDS, alguns são interessantes para se falar aqui no blog então eu provavelmente escreverei sobre eles.

O post de hoje é sobre o infâme jogo "Love Plus", um dating sim bastante popular no Japão pela sua imersão de gameplay e no resto do mundo pelas suas controvérsias, sendo a principal sobre um homem que se 'casou' com uma das personagens (não me aprofundarei nisto, quero falar é sobre o jogo em si!).

O que é Love Plus?

Como dito ali em cima, 'Love Plus' é um jogo do gênero dating sim (simulador de encontros), lançado em 2009 no Japão pela Konami para o Nintendo DS, não tendo até hoje saído de lá. Além do primeiro Love Plus (o que joguei e falarei aqui) foram lançadas algumas versões melhoradas do jogo para o próprio NDS, o Nintendo 3DS e para o mercado Mobile (Android/IOS). Falarei um pouco sobre essas versões mais pra frente, porém o foco é realmente o primeiro título da franquia! 




Como é o jogo?

O jogo possui uma narrativa em estilo Visual Novel, mas com modelos 3D para as protagonistas e alguns menus interativos. O jogador controla um estudante japonês que se mudou para cidade de Towano. Escolhemos o design de seu quarto, nome, tipo sanguíneo e data de aniversário. Feito isso, basicamente controlamos a rotina do nosso personagem, podendo selecionar quatro diferentes atividades para ele realizar. As duas primeiras são as disciplinas que ele irá estudar (como ed. física, ciências, etc) e o que fará após a aula (se exercitar, cuidar da aparência, passear, participar das atividades de um clube da escola ou trabalhar). As atividades que você escolhe fazer são muito importantes, pois elas afetam os seus stats (positiva ou negativamente) e eles são necessários para se aproximar das garotas do jogo e realizar certos eventos especiais. 

Os stats do jogo: atletismo, inteligência, percepção e charme.

Nos primeiros dias, você procurará um emprego de meio-período numa lanchonete, onde conhecerá Anegasaki Nene, uma das opções românticas de Love Plus. Já na escola, ao ingressar os clubes de tênis e de leitura, você poderá conhecer Takane Manaka e Kobayashi Rinko, respectivamente. Esporadicamente, poderá se encontrar com elas no local onde as conheceu e em alguns outros lugares da cidade (como nos corredores da escola), o que geralmente resulta em eventos que funcionam como se fosse a 'história' de cada uma delas, uma comparação muito boa é com os Social Links dos Persona a partir do 3. É realmente bem parecido. 

As Personagens

Como dito, o jogo possui 3 personagens principais as quais é possível construir uma amizade e, eventualmente, um relacionamento amoroso:

Anegasaki Nene: uma estudante do terceiro ano da escola de Towano. Ela trabalho meio-período em um restaurante na cidade e é alguém em quem todos sempre estão contando com ajuda - ao ponto de que em alguns momentos chegar a ser abusivo -. Bastante madura e dedicada ao trabalho.

Takane Manaka: estudante do segundo ano da escola de Towano. É a ás do clube de tênis, sendo praticamente imbatível. Todos a admiram pela sua beleza, inteligência e perícia no esporte, sendo o clássico arquétipo japonês da personagem vista como 'perfeita' aos olhos dos outros e, por isso, ninguém consegue se aproximar dela, sentindo que pertencem a um mundo diferente. Devido a isso, somado ao pais bastante rigorosos, Manaka acaba sendo bastante solitária.

Kobayashi Rinko: estudante do primeiro ano da escola de Towana. Possui um temperamento bastante particular, não deixa os outros se aproximarem, preferindo ficar só a formar vínculos fragéis. Ela é bastante inteligente, gostando muito de ler (não a toa é parte do parte do clube da biblioteca) e tendo um gosto musical mais alternativo, gostando de rock internacional e músicas mais antigas e/ou não tão conhecidas. Possui a tendência de fugir de casa, perambulando pela cidade ao ponto de arriscar a própria vida, já não se importando com isso.

Rinko, Manaka e Nene, respectivamente.

O que torna Love Plus especial?

A resposta curta: não é só sobre encontros virtuais. As personagens são excelentes, muito bem escritas. Não ficam presas a arquétipos, parecem até 'vivas'. Chega a ser impressionante algo assim para um jogo de NDS. É divertido ler os diálogos com elas, encontrá-las de surpresa por aí e, principalmente, desvendar as suas tramas principais. No meu caso, não me afeiçoem muito com Nene e foquei, inicialmente, nos eventos com Manaka e Rinko, até eventualmente terminar a sua história e 'conquistá-la'. Foi uma experiência bem divertida, basta se abrir um pouco a ideia e verá o quão fácil é se encantar com as personagens e suas histórias. Você fica curioso para descobrir mais sobres elas e ajudá-las com o 'problema' que cada uma está lidando. Em resumo, tudo parece bem real - isto é, dentros dos limites de um jogo, claro -. 


Defeitos

Infelizmente, Love Plus não é perfeito. A primeira parte do jogo não está muito longe disso, sua única falha é ser realmente bem curta. Você tem até 100 dias virtuais para 'conquistar' uma das personagens, mas dificilmente você não o conseguirá fazer a tempo caso se decida lá para o dia 50 ou 60. É só investir nos stats corretos e se encontrar com ela sempre que possível. Consegui lá para o dia 70 e pouco, mas isto pois joguei pelo menos metade da história da Manaka (aliás, não aconselho fazer uma história por vez, já que existe a possibilidade das duas se encontrarem numa espécie de evento de 'ciúme' que é bem engraçadinho, até). Ainda assim, o problema do jogo é na segunda metade. Se a experiência inicial foi incrível, a posterior foi um desastre!

Para muitos, o verdadeiro jogo começa quando você entra numa relação amorosa definitiva com uma das meninas, porém para mim foi onde terminou. Caramba, que ideia mal executada! Vamos lá, por partes...depois de um lindo encerramento com a música tema da personagem, exibindo as CGs de sua história para provocar uma sensação de nostalgia recente, o jogo reboota e entramos no 'post-game'. Aqui tem dois modos, um continua o sistema anterior, com dias virtuais que se encerram ao completar suas atividades e o outro acompanha o relógio do console, ou seja, funciona em tempo real.


Na prática, os dois funcionam quase que da mesma forma. O post-game é vazio e, mesmo que tenha ideias boas, não funciona direito. Você marca encontros com a namoradinha, podendo levá-la para diferentes locais da cidade (que dependem de seus stats, os quais podem ser remodelados de forma semelhante a primeira parte do jogo). Os passeios românticos são completamente diferentes dos eventos da main story. Sem-graça, muito mal escritos. Genéricos. Tentei uns 3-4 passeios e foi a mesma bizarrice: você é forçado na ida e na volta a jogar o mini-game esquisito e mal-funcional de 'cafuné e beijo'. Em resumo, você tem que fazer um ritual que envolve tentar fazer carinho e beijar a menina, tem uma ordem de lugares para tocar com a stylus (a canetinha do nds/3ds) e tal, não consegui entender como funciona, tentei até fazer direito uma vez e já desisti. Se tocar errado, o mini-game fecha e a guria fica brava, até te manda um e-mail reclamando depois. Assim, a ideia por trás é boa e coesa. Recém-namoro - ainda mais numa sociedade onde o conceito de 'ficar' é quase inexistente - é assim, a barreira da intimidade física e mental tá se quebrando ainda e acho que tentaram levar esse conceito pro virtual, só que se for para fazer errado, não faz. E, honestamente, queria que tivesse a opção de pular. Sei lá, achei meio vergonhoso. Não julgo quem goste disso, o meu problema nem é coisa beijar/acariciar a personagem virtual (até porquê já joguei nintendogs, tá sei que não é a mesma coisa, mas deu pra entender), e sim em tem que fazer isso várias vezes sem funcionar direito, sei lá. Poderia ser scriptado, ter um modo automático ou só pulável mesmo. Assim, o lance é que o que me cativou no jogo foi o lado Visual Novel dele. Ler os diálogos, conhecer mais das personagens e ajudá-las, como já disse aqui no post! 

Enfim, eu toleraria esses rituais de intimidade virtuais se meus diálogos legais para serem lidos permanecessem lá. Mas, meh, não mesmo. O que ficou no lugar foi algo bem pós-social link completa do Persona. A personagem mexendo a boca simulando uma conversa, mas sem falar nada e umas caixas de texto escrito falas genéricas tipo "ah, como é bom passear com você...nossa como você é bobinho". 


Fora isso, tem um outro modo em que dá para conversar em tempo real com a menina, usando o MIC do console. Mais uma coisa que em teoria é ótima, na aplicação ficou péssima. Tem que falar em japonês, isto tá ok, eu consigo falar algumas coisinhas, mas parece que ela só captava uma palavra do que eu falava. Pesquisei e vi que isso é comum, só tendo sido resolvido na versão de 3DS, o New Love Plus, com a adição de um teclado virtual. Assim, essa mecânica eu acho desculpável, já que só quase 10 anos depois do jogo que começaram a surgir ferramentas com 'inteligência artificial' que permitem conversas em tempo real com respostas coerentes (tipo o app Replika). Por esse lado, é quase como se Love Plus fosse um jogo bem a frente do seu tempo. Se não o foi mesmo. 

Considerações Finais

Apesar de ter escrito longos parágrafos reclamando do post-game horroroso de Love Plus, ele é sim um ótimo jogo que vale muito a pena. É realmente único, uma experiência leve e marcante. Bom para se dar um descanso de jogos mais intensos e até mesmo se esquecer um pouco do mundo real. Foi meu primeiro jogo que de fato era um dating sim (acho que o mais próximo de um jogo desse gênero que eu havia jogado foi Persona mesmo), consegui perceber nele que o preconceito que as pessoas possuem pelo gênero é bobo. Da mesma forma que você não lê/assiste a um romance necessariamente por estar buscando um conforto amoroso, projetar-se nos protagonistas, etc, não precisa jogar um dating sim com tal mentalidade. Penso em experimentar outros um dia, como o clássico Tokimeki Memorial, também da Konami.

New Love Plus, console novo, gráficos atualizados.

Aliás, sobre os outros jogos da franquia: Love Plus+ (NDS, 2010) = novas mecânicas, passeios escolares, modo fitness, folgas, mini-games novos, etc. O New Love Plus (3DS, 2012) possui melhorias gráficas e de áudio, mais mecânicas novas e o New Love Plus+ (3DS, 2014) tem, novamente, novas coisinhas. Infelizmente não achei nada que detalhe muito bem as diferenças de um jogo para o outro, mas ao que consegui entender no fim das contas é que o primeiro jogo é meio incompleto, pois aparentemente nos demais os problemas do post-game foram sendo razoavelmente consertáveis. Infelizmente, apenas o primeiro possui patch em inglês, como não tenho um domínio de japonês alto, descartei a possibilidade de jogar o New Love Plus+ (que até agora é a versão definitiva do jogo). Quem sabe um dia? Ah! Apesar de precisar comprar um jogo novo, existe a possibilidade de transferir seu progresso de uma versão a outra, mas isso exige ter as mídias originais (ao menos no caso das versões de NDS). 

Pontos Positivos:

- Personagens cativantes
- Diálogos bem escritos (na 'main story')
- Ótima dublagem
- Suave, ótimo para passar o tempo

Pontos Negativos:

- História muito curtinha
- Post-game vazio
- Sistema de interações é cheio de bugs

Love Plus me surpreendeu. Esperava nada e acabei recendo uma jornada especial que infelizmente não durou muito. Quando possível, jogarei as rotas das outras duas personagens para matar as saudades jogo enquanto não possuo um nível de japonês suficiente para explorar o último game da série. 

E o post acaba aqui, espero que tenham gostado e tenham conseguido ver o jogo com outros olhos, pelo menos largando um pouco o preconceito de lado. Até a próxima!

P.S.: Sim, fiz uma edição de última hora sumarizando os pontos positivos/negativos do jogo...havia me esquecido, me desculpem.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O Gênero de Yamato

Faz tempo, mas cá estou eu.

Entre 2013 e 2015 assisti quase todos os episódios lançados de One Piece, mas depois disso fiquei um tempo sem tocar na obra até que esse ano (após um bom tempo na vontade) decidi ler o mangá. A experiência foi ótima, não só reacendeu minha paixão por OP, como me fez ver que é um dos melhores shounens que já li.

Hoje quero falar sobre algo que descobri ser bastante polêmico na fandom de OP, como diz o título, o gênero da personagem Yamato. Especificamente, com a publicação do vivre card dela que oficializou seu gênero como "feminino", apesar de certos fatores no próprio mangá que davam a entender que a personagem se trataria de um homem-trans, o que nasce tanto por uma interpretação muito literal como pela ausência de explicação do autor (o que eu diria ser devido ao fato de que isso será melhor explorado futuramente). Adianto: Por favor, leia o texto todo antes de tirar conclusões!!

Vivre Cards

Em "性別" (gênero) está escrito "女" (mulher).

Para quem não sabe, os vivre cards são cartões colecionáveis de One Piece que trazem informações sobre os persoangens. Não apenas são um produto oficial, como são revisados e reescritos pelo próprio Oda Eiichirou, autor do mangá. Não acredita? Bem, tem uma entrevista no site oficial de OP confimando isso. 

É claro que ocorrem erros, mas existe outra fonte oficial para corrigí-los. 

Pode-se argumentar que ali afirma apenas o gênero "cis" (de nascença) da personagem, mas não parece ser o caso, visto que não é o que ocorre no vivre card de Okiku (uma personagem introduzida já na sua identidade de gênero e só foi tocado no assunto de ela ter nascido um homem beeem mais a frente).

性別  =  男(心は女)

Okiku é referida como um "homem com kokoro de mulher". Sendo que "kokoro" é uma palavra comumente traduzida como "coração", mas seu significado está associada ao "espírito" (ou seja, coração no sentido figurado, não o órgão). Em outras palavras, se trata de uma mulher que nasceu num corpo biologicamente masculino. Inclusive, esse 「心は女」veio da expressão japonesa 「体は男、心は女」"Corpo de de um homem, coração de uma mulher". É comum utilizarem essa expressão ou a inversa dela para indicar uma pessoa transgênero no Japão. 

性別=新人類 (um neologismo de OP que se lê "Newkama")

Existem também os personagens "travestis" em One Piece. Antes de tudo, quando falo de travesti, estou falando de um indivíduo que se veste com roupas geralmente associadas ao gênero oposto "crossdresser" ou 「お釜」(okama, no original). Os Okama não necessariamente se identificam no gênero oposto, podendo apenas gostar de usar as roupas dele e/ou se identificando com comportamentos associados ao mesmo. Dentro dos Okama, existem os Newkama. Aqui já é um caso mais complexo. Um Newkama não é homem ou mulher, mas sim alguém que se encaixa em um gênero não-binário. Caracterizam-se por serem pessoas que viveram o suficiente em ambos os gêneros binários ao ponto de se tornarem algo a parte, como Ivankov e Bon Kurei.

Assim sendo, temos 3 gêneros em One Piece: os homens, as mulheres e os newkama. Um detalhe importante para fechar o tópico sobre os vivre cards é o do Izou, irmão de Okiku:

性別=男

Izou, apesar de também ter se travestido é referido no mangá e fora dele como um homem, mas que aparenta gostar da estética visual feminina. Mesmo em idade adulta, seu cabelo está no estilo de uma Geisha/Oiran e usa um batom, também no estilo visual delas, apesar de agora usar roupas mais "neutras" (ou até masculinas, como na cena em Marineford). Por sinal, era bastante comum homens se travestirem nos Kabuki, teatros tradicionais do Japão. Isso era chamado de 「女形」"papel de mulher", justamente como Geisha, donzelas, etc. Creio que Izou e Okiku tenham tido seus desenvolvimentos de personagem construídos a partir disso. Izou sendo um homem atraído pela estética feminina e Okiku um homem que se encontrou completamente dentro da identidade feminina, portanto, assumindo-a eventualmente.

Paternidade Abusiva

Yamato possui um pai que não a ama. Isso é claramente explícitado em várias passagens no mangá, inclusive com o fato de que Kaidou a mataria independente de laços familiares, caso ela se rebelasse. Para ele, sua filha serve apenas como instrumento político e de exerção de poder, o seu desejo é torná-la a Shogun de Wano, assegurando o poder do território aos "Piratas da Besta", o bando do Yonkou. Primeiramente, nunca ouve um "Shogun" no Japão que não tenha sido homem, aparentemente Oda tomou essa "regra" como verdade em sua obra também. 
Não chegou a ser explicado ainda porquê Yamato passou a ser tratada no masculino por seu pai, mas ao que dá a entender, isso seria resultado não de uma aceitação da identidade pessoal que ela abraçou, porém talvez pela relutância em ter tido uma menina, tratando-a como menino por essa razão. Não faz sentido que ele o faça como forma de "aprovação", já que todos os quadros em que contracenaram, o personagem demonstrou enorme desafeição pela sua própria criança. Negando não apenas a identidade pessoal dela como Kozuki Oden, tal como os desejos que a personagem tinha de deixar Onigashima e conhecer o mundo externo. 


Yamato era referida como 鬼姫様=princesa demônio.


Yamato passou a admirar e desejar impersonar Oden após assistir a sua execução, todavia, isso itensificou-se quando ela foi presa em uma caverna, como punição. Os samurais que estavam presos lá leram o diário de bordo de Oden para ela e esse foi o ponto de virada quando Yamato completamente tomou para si a identidade de Oden Kozuki. A questão é que devido ao fato de ter tido toda a sua vida ditada pelo pai, ela não construiu uma identidade própria, assim sendo, essa persona se tornou toda a identidade pessoal dela. A forma de falar, agir, vestir, o nome e o gênero. Resumindo, não é que Yamato tenha uma identidade de gênero masculina, e sim que toda a sua identidade pessoal foi moldada em cima de uma persona baseada na interpretação dela de Oden. 

Kaidou chamando Yamato de "filho".


Existe uma diferença entre a identidade de gênero e a identidade pessoal, apesar de essas duas poderem se cruzar. A primeira tem a ver com a forma que você enxerga o seu próprio gênero assumido, independente do gênero de nascença, já a segunda fala sobre todas as caractéristicas que compõem quem e o que você é, indo além da personalidade.

Contexto Cultural

No mangá, sempre ao utilizar um pronome pessoal de primeira pessoa (eu/meu/minha), Yamato sempre se refere com 僕, que é um pronome geralmente utilizado por jovens do sexo masculino, no entanto, as 「お転婆」(otenba) também são utilizadoras de tal vocábulo. 
Basicamente, as otenba são indivíduos que possuem traços comportamentais associados ao masculino, tais como a forma de se vestir, falar, os hobbies, gestual, etc., não obstante, ainda se enxergam dentro do espectro de gênero feminino, o que seria semelhante, mas não igual aos okama. Para facilitar, otenba é basicamente o termo japonês para as tomboy, apenas com alguns por menores. Num geral, esse tipo de conduta é bem aceita no Japão, não sendo vista como "errada" ou muito "diferente". Ao meu ver, Yamato se encaixará aí quando construir uma identidade pessoal "própria" (ou seja, aceitar-se de fato como 'Yamato', mas sem abandonar a admiração que possui pelo seu herói).


Yamato se referindo com 僕 (boku =  "eu").
Uma comparação bem cabível aqui é o Izou, que como já descrevi se trata de um homem-cis que segue padrões culturais associados às mulheres. Por sinal, há um termo japonês para isso que seria mais ou menos o espelho das otenba, que é 「男の娘」 (otoko-no-ko) "femboy" ou "homem afeminado" em uma tradução livre. 

Kaya de Bakuman, um exemplo de Tomboy fora com estereótipo comum.

Por fim, queria concluir este tópico mencionando Ousu, um príncipe japonês que - de acordo com as lendas, teria se vestido de criada para assassinar os inimigos da terra de Kumaso, obtendo enorme sucesso e sendo nomeado por um de seus inimigos como "Yamato Takeru", algo como "Valente dos Yamato" 「日本武尊」(sim, hoje a leitura disso seria diferente, mas lembremos que se trata da japonês arcaico). Inclusive, ele chegou a portar a lendária espada Kusanagi-no-Tsurugi, um dos tesouros imperiais do Japão. Creio que parte do desenvolvimento de Yamato tenha sido inspirado no próprio Takeru.

Conclusão

Apesar de no momento encarnar uma persona masculina, Yamato é uma mulher, apesar de seu comportamental ser mais associado ao masculino. Conforme novos capítulos de OP sairem, creio que a situação ficará mais clara e saberemos se de fato a intenção de Oda é construir um identidade pessoal própria para ela - que seria feminina, mas mantendo intacto o jeitinho otenba dela -. 
Honestamente, acho que será interessante, pois se trata de uma personagem bem única na obra. 
Coisa que Wano, inclusive, está recheada. 
Bem, espero que tenham gostado do post. Tentarei escrever algo novo em breve, ainda este ano. Tenho ideias, veremos se conseguirei cumprí-las a tempo. Até lá, obrigado por ter lido até o fim!!